Este post nada tem a ver com filme, mas achei que o título por si só se enquadrava bem no que vou escrever. Isto não é algo que eu costume fazer desde que criei o blog, mas à medida que o tenho vindo a tornar mais pessoal, a verdade é que tenho dado por mim a escrever mais reflexões, normalmente quando os anos académicos acabam. E agora que estive um ano fora de casa, penso que não há melhor altura para fazer um destes posts. E verdade seja dita, desde muito pequena que estou habituada a guardar tudo para mim, especialmente tudo o que é negativo, o que é péssimo, por isso acho que estes posts até acabam por ser um boa ajuda para eu deixar velhos hábitos para trás. *aviso de amiga, este vai ser um post mesmo gigante; não vos condeno se não lerem tudo, mas dou-vos os parabéns se tiveram a paciência para o fazer*
Eu já perdi um bocado o fio à miada do que já contei aqui sobre a minha vida académica. Mas desde que entrei para o Secundário que tinha como objectivo estudar no estrangeiro, porque queiramos ver ou não, a realidade é que Portugal está a caminhar a passos largos para um poço ainda mais fundo do que aquele em que sempre estivemos encafuados. O objectivo esteve para se concretizar aos 18 anos mas a vida acontece (quero eu dizer, a minha fraca coragem deu de si e o pânico apoderou-se de mim) e tudo acabou por ficar em águas de bacalhau. *Até ao momento, esta é sem dúvida a única decisão que tomei na minha vida de que me arrependo profundamente. Não acredito em toda a história de que as coisas acontecem por alguma razão, pois bem sei que aquela foi um decisão absolutamente estúpida. E também tenho consciência que é uma decisão que me vai assombrar para o resto da vida, até eu conseguir fazer as pazes com ela ou até eu acertar o caminho que decidi destruir* A ideia voltou a surgir logo no início da minha Licenciatura (em Lisboa) mas acabei por me decidir por acabar o curso em terras lusas. Nessa altura, o objectivo passou efectivamente para o Mestrado. E eis que o objectivo se concretiza (por uma terceira vez diga-se).
Quando me candidatei a universidades no estrangeiro fi-lo para quatro: três no Reino Unido (Sheffield, Liverpool e University College London) e uma nos Países Baixos (Leiden). As duas primeiras, apesar de serem muito boas instituições, nunca deixaram de ser back-ups de back-ups. A escolha estava mesmo desde o início focada entre a UCL e Leiden. O Reino Unido é um país pelo qual eu tenho um carinho muito especial (e nalguns aspectos, eu dava bem para ser britânica; um certo ego britânico é algo que não me falta de certeza), e sem dúvida que Londres tem e irá ter sempre um lugar mais do que especial no meu coração. A UCL era o meu sonho desde os 15 anos mas o facto de o Mestrado custar umas belas de umas 9.000 libras (exacto, mais de 10.000 euros) fez-me torcer muito o nariz. Era também apenas um Mestrado de um ano e eu pensava que seria impossível fazer uma tese em tão pouco tempo. Infelizmente não nado em dinheiro nenhum e bem sei que, por mais que os meus pais tentassem pagar tais propinas, não iríamos conseguir amealhar tanto dinheiro. Neste momento, gostaria de ter optado pela UCL mesmo que isso significasse um dívida gigantesca para o resto da minha vida.
Posto isto, a minha cabeça foi-se moldando em volta de Leiden e do excelente marketing que a faculdade faz (e fez). Se alguém quiser aprender como se “vende” cursos, venham até cá que aqui têm excelentes exemplos. O curso para o qual me tinha candidatado é de dois anos – os cursos aqui são efectivamente de um ano também, mas os de “investigação” já são de dois. Este era sem dúvida um aspecto em favor desta universidade, mais o seu magnífico preço de propinas, à semelhança daquele que se paga em Portugal e bem longe dos preços do Reino Unido. E além do mais, a publicidade que fazem da faculdade é tanta que somos levados a crer que ela caiu do céu e que veio directamente do paraíso. Por último, o facto de esta universidade estar ligada, por alguns professores, a um instituto de investigação na Alemanha (o Max Planck Institute), também fez que os meus joelinhos se quebrassem todos perante a possibilidade de vir a estudar aqui. E muito resumidamente, foi assim que eu vim parar aos Países Baixos (mais precisamente a Leiden).
Até ao final da minha primeira semana aqui (diga-se, até eu começar as aulas), a noção de paraíso foi-se construindo aos poucos e poucos, e as minhas perspectivas em relação à faculdade e a tudo o que ela envolvia iam subindo a passos largos numa escada sem fim. Ora está claro, quando mais se sobe, maior é a queda. E a queda foi gigante e daquelas que dói a bem valer. Quaisquer noções de organização e de prestabilidade que eu tinha desapareceram logo nas primeiras semanas. Mas pronto, nesta altura, em que a faculdade tinha acabado de mudar de instalações e que toda a gente se estava a instalar num novo edifício, ainda se dava o benefício da dúvida. Meio ano (e até mesmo um ano) depois, desculpem-me filhos mas já não há justificação nenhuma para tamanha falta de organização e incompetência. E nem falemos na prestabilidade de algumas pessoas. Foram precisos quatro meses para que eu tivesse o meu plano de estudos em ordem, foram precisos quatro meses para que eu tivesse as cadeiras em ordem, e foram precisos quatro meses para eu ter as minhas notas em ordem. Neste momento, sinto-me parva por umas quantas queixas que fiz em relação à FLUL. Quem diria que gigantes níveis de incompetência me seguiriam até aqui, especialmente como o modo como os países do centro-norte da Europa são descritos. Quaisquer esperanças que eu tinha de os Países Baixos serem como o Reino Unido desvaneceram-se logo no primeiro semestre.
De um modo resumido, o tiro saiu-me pela culatra. Vim eu toda contente para cá a pensar do que me tinha escapado (cursos pouco pensados, demasiado generalistas, sem opções, etc.), e da nova realidade que iria encontrar aqui (cursos mais especializados e focados naquilo que queria, mais opções, mais liberdade, mais isto e aquilo), mas pois bem que a realidade é que os meus planos sairam-me todos furados. Eu podia pôr-me aqui num monólogo infinito e culpar todos e mais alguém, incluindo a faculdade, mas sei que boa parte da culpa é minha. Devia ter dado mais e não dei, devia ter-me esforçado mais e não me esforcei, mas também sei que cota parte da culpa é do handicap que temos. Em certas áreas (porque realmente até que somos excelentes em Economia – com o estado em que o país está, ora aqui está uma bela de uma ironia – e em Medicina), temos de admitir e ver que Portugal é bastante inferior a outros países. E a área de Arqueologia não é de todo uma excepção, mas sim uma daquelas situações que comprovam a realidade. O ensino em Portugal também tem muitas falhas e nós ganhamos péssimos hábitos desde a Primária; hábitos estes dos quais talvez não nos conseguiremos desenvencilhar tão cedo de tão entranhados que eles estão.
Mas o busílis da questão aqui é sem dúvida a falta de consideração que senti do outro lado, o lado dos professores. Começando pelo início, como alunos estrangeiros nós não somos admitidos directamente nos cursos de “investigação” – o que já de si é estúpido e discriminatório (mas ponhamos este pormenor de parte agora), pelo que temos de passar por uma espécie de trial no primeiro semestre. Isto inclui estarmos no limbo. Pois bem. Nem somos alunos do curso de investigação de dois anos, nem do curso normal de um ano; estamos a fazer cadeiras de ambos e a sermos avaliados como alunos de investigação sem na realidade estarmos nesse curso. Resumindo, é uma confusão do caraças e ninguém sabe muito bem o que fazer. O esclarecimento sobre toda esta situação é quase nulo, e o tempo em que estamos neste limbo é imenso. Isto porque é nos requerido que tenhamos, no mínimo, 7.5 (em 10) à cadeira de teoria que todos os alunos de Mestrado são obrigados a fazer, independentemente da área do seu curso. É certo que esta cadeira só é leccionada no primeiro bloco e as notas até que não levaram montes de tempo a serem publicadas, já tive em situações bem piores em que esperámos meses e meses, mas bem que podemos esperar sentados se estamos à espera de ter uma resposta rápida em relação ao limbo. Só em Dezembro, a poucas semanas das aulas acabarem é que se deram ao trabalho de nos dizer qualquer coisa. Toda esta situação é confusa, stressante, desgastante e acima de tudo injusta. Vamos admitir, os alunos holandeses não entram sem problemas nos cursos de investigação de dois anos porque são mais inteligentes ou melhores que todos os outros, ou porque isto ou porque aquilo, mas sim porque simplesmente já estão dentro do sistema, do lobby. Não vou ser hipócrita aqui e esquecer que eu já estive dentro de um lobby destes, enquanto estive na FLUL, mas trabalhei e esfolei-me para caraças para conseguir esse lugar. Ele não caiu do céu e muito menos me foi dado de bandeja.
Ora, para eu já ter entregue a minha tese, é certo e sabido que não consegui entrar num destes cursos de investigação de dois anos. Se há coisa de que me sinto orgulhosa nesta situação toda é que fiz as pazes com esta decisão/situação em poucos minutos depois de ter sido informada. No entanto, a verdade é que me fez ficar de pé bem atrás em relação a todo o departamento, e com isto quero dizer, ficar de pé atrás em relação praticamente todos os professores, investigadores e alunos deste departamento. Mas vá, no meio do grupo todo destacam-se três almas caridosas que têm alguma humanidade dentro delas. É óbvio que não gostei da decisão, fiquei bastante triste e decepcionada. Dei em maluca (mesmo, a sério) durante esse primeiro bloco para conseguir aquele maldito 7.5, que digamos que não é nada fácil pelo modo como o exame é feito para aquela cadeira – gostava de saber se querem humanos a trabalhar ou robôs. O stress e a pressão que metem nessa nota fez com que o bloco, em relação a outra cadeiras, não corresse da melhor maneira. Sei que não tive o 7.5 porque foi apenas um 6.9, mas como ninguém atingiu aquela marca, a faculdade supostamente – foi isso que nos foi dito, e a este ponto questiono que decisão é que terão mesmo tomado – decidiu que iriam fazer uma média de todas as notas obtidas no exame (a nível daqueles que fizerem a versão de investigação) e esse valor seria então a meta a atingir. Como deste grupo eu é que tive a nota mais alta, obviamente isto não criaria entraves nenhuns embora fosse abaixo do 7.5… No entanto, o esforço para este exame e todo o stress da época de exames foi completamente em vão porque acabaram por me recusar. Ora bem… A coisa teria sido melhor aceite se me tivessem dado uma boa justificação para tal e se me tivessem dado hipótese de fazer a entrevista, à qual supostamente temos também direito enquanto candidatos a estes cursos. Sim senhora, resta-me só dizer, muito obrigadinha pela entrevista que nunca aconteceu. Podiam-me recusar na mesma mas ao menos mostravam algum respeito e tinham-me cedido esta entrevista.
Neste momento, isto já é tudo águas passadas e até nem estou muito incomodada com a decisão. É certo que o curso de dois anos tem as suas vantagens: mais tempo para desenvolver teses mais elaboradas, uma ou outra cadeira que envolve conferências/palestras… e yap basicamente é mesmo só isso. Visto bem a coisa, a nível de cadeiras, a diferença é quase nula e nessa perspectiva apenas não vale absolutamente nada. Admito que o facto de estar a estudar desde os seis anos, sem qualquer paragem pelo meio (como é bastante habitual noutros países/culturas), tem sido bastante desgastante a nível psicológico-mental. E por esse motivo é que estou satisfeita com o facto de fazer o meu Mestrado em apenas um ano. É assim altura de ir para outras paragens, mas este é um assunto que poderá ficar para um outro post.
Contudo, os problemas e a decepção com esta faculdade não ficam por aqui, infelizmente. No geral, os problemas centram-se na falta de comunicação, na falta de esclarecimentos claros, na falta de organização. Basicamente, aquilo que sempre me queixei em relação à FLUL e não que não estava nada à espera que também fosse assim aqui no norte da Europa, que vamos admitir cujos países são vistos como os “almighty” aqui do continente. Se bem que isso funciona mesmo para alguns países, como a Suécia, não acredito que seja bem o caso dos Países Baixos.
E a isto juntam-se os problemas da residência. Ora são as máquinas de secar roupa que não funcionam – verdade seja dita, há uma que há bem mais de um ano que não funciona -, ora são as máquinas de lavar roupa que também não funcionam, ou o terminal de pagamento que decidiu dar o berro. Ora é a internet que não funciona, ora é a água quente (ou as duas) que é cortada sem pré-aviso, ou o sistema de aquecimento que só funciona quando quer. Ora vem cá alguém arranjar qualquer um destes problemas passado umas horas – depois de muito chatearmos a empresa que manda aqui -, ora passamos dias e dias sem soluções. E o mais giro é quando, por exemplo, arranjam ou as máquinas ou o terminal e a coisa até que funciona, mas passado meia-dúzia de horas está tudo avariado outra vez. São as dezenas de queixas que enviamos e para as quais nunca obtemos resposta. São as chamadas para a empresa que são brindadas com uma simpatia genuína do outro lado da linha. Sem dúvida um dos piores serviços ao cliente que já vi. E isto já para não dizer que a diferença entre o primeiro semestre e o segundo é gigante. Se no primeiro éramos basicamente alunos de Mestrado, pois são muito mais muito raros os casos de licenciaturas em inglês e estas residências são só para alunos estrangeiros, no segundo semestre levamos com uma enchente de alunos de erasmus que é uma coisa para esquecer. É muito giro não fazerem um cu durante um semestre inteiro mas isto aqui não é um festa filhos, há quem cá esteja a estudar a sério e não a brincar. Partilhar um estúdio com outra pessoa também foi um pesadelo [para aqueles que já fizeram erasmus, sim sim eu sei que há casos e casos; mas neste aqui, desculpem-me mas são todos mais calões do que outra coisa qualquer] Jamais me meto noutra situação do género, ou pelo menos tenho de garantir primeiro que vou viver com uma pessoa e não com um porco disfarçado de humano.
E depois toda a sensação que se retira de viver nos Países Baixos. Muito ingenuamente pensei que a sensação fosse ser a mesma daquela que sinto cada vez que meto os pés em terras de sua Majestade, mas não podia estar mais redondamente enganada. Não sei explicar muito bem mas nunca fiquei muito com uma sensação “welcoming”. Não é um país mau para se viver, se falarmos sobretudo em termos de qualidade de vida (saúde, porque honestamente, com tanto uso de bicicletas nota-se muitos menos níveis de poluição), mas uma coisa é certa, não me vejo a viver aqui.
No geral, infelizmente, o que retiro deste Mestrado é mais decepção do que outra coisa qualquer. Honestamente, a vontade é muita de dizer que desperdicei imenso dinheiro, que ainda por cima nem se quer é meu, neste curso. Dinheiro e tempo também, diga-se. Porém, esta experiência até que teve os seus aspectos positivos.
Que não são muitos. Algumas cadeiras valeram a pena serem feitas, alguns professores valeram a pena serem conhecidos, mas a boa experiência com a faculdade infelizmente resume-se apenas a isto. O que realmente foi bom nesta experiência foram mesmo as pessoas que conheci, que basicamente se resumem apenas anglo-saxónicos. Ora aqui está uma bela de uma coincidência (ou se calhar não). São sem dúvida pessoas com as quais vou querer manter o contacto por muitos muitos mais anos. O facto de ter estado a viver sozinha durante este ano também foi uma óptima experiência, se esquecermos as duas colegas de quarto que tive. Digo-vos que esta é uma óptima maneira de crescermos, por assim dizer.
No fundo, penso que por menos boa que seja uma experiência, seja ela qual for, o importante é retirar os aspectos positivos dela e focarmo-nos neles. E além do mais, é importante também aprendermos com os erros que cometemos.